"é o mínimo"
breve relato de viagem por minas gerais feito através das minhas memórias
Observação: Esse texto possui narração, caso queira ouvir, é só clicar no ‘play’ acima.
Para Ariele Pedral e Gabriel Elias
Quero deixar uma nota antes de começar: que sensação esquisita que é fazer um diário de viagem depois de tanto tempo que ela aconteceu. Estranha, mas boa, porque me lembra que ela existiu, e agora posso revisitá-la em palavras, embora enviesadas pela memória. A vontade de escrever surgiu essa semana, enquanto eu andava de bicicleta com o meu sobrinho e tentava extrair da minha mente ideias para o meu livro. Meu sobrinho agradecia por eu ter paciência e acompanhar o ritmo dele na bicicleta, e imagina! Isso é o mínimo. Foi aí que me veio à cabeça meu amigo Gabriel Elias, de BH. Durante nossa visita, em 2024, em pequenos gestos de gentileza e aos nossos agradecimentos, ele sempre respondia: “que isso, isso é o mínimo.” Sem saber, acabou deixando entre nós uma filosofia que se perpetua até hoje.
Em janeiro de 2024, fui ao Instituto Inhotim, esse lugar imenso em Brumadinho, Minas Gerais, considerado o maior museu a céu aberto do mundo. Fui com a minha amiga, Ariele. Era nossa primeira viagem juntas, sonhávamos em viajar juntas desde o começo da nossa amizade, no ensino médio. A promessa era Ushuaia, lá por 2017. Mas o que aconteceu mesmo foi Inhotim, e o destino não poderia ter escolhido lugar melhor para que deitássemos os olhos, com calma, sobre tudo o que vimos.
Antes de chegar a Brumadinho, fizemos escala em Belo Horizonte, entre museus, bares e restaurantes. O circuito da Praça da Liberdade foi parada obrigatória. No CCBB BH estava em cartaz uma exposição de Hélio Oiticica, artista que também compõe o acervo do Inhotim. Dias depois, de volta ao Rio, puxei uma matéria na UFRJ com uma professora especialista em suas obras (eu não sabia antes das aulas começarem). Praticamente uma imersão em Hélio Oiticica. Também teve uma exposição que me marcou bastante, no Memorial Minas Gerais Vale, sobre as mulheres lavadeiras do Vale do Jequitinhonha, e suas músicas. Eu não conhecia e fiquei muito tocada, vou deixar o link do youtube aqui para quem quiser ouvir, é lindo.
No meio disso tudo, descobrimos um restaurante familiar indiano maravilhoso, chamado Hoje tem Curry (fica a recomendação se você estiver em BH). Fun fact sobre nossa visita: ao chegar no hostel, colocamos as roupas sujas direto na mala, estávamos cansadas. Pois bem, passamos o resto da viagem com cheiro de curry. Até hoje vejo as fotos e lembro do cheiro. Enfim. Estávamos com muita vontade de fazer uma trilha antes de iniciar nossos dias no Inhotim, mas em Brumadinho, esse turismo se tornou raro depois do rompimento da barragem da Vale em 2019. Então seguimos para Casa Branca, um povoado perto do Parque Estadual do Rola Moça. Ficamos na Pousada Verde Folhas, uma pousada ecológica, que tinha várias atividades na natureza, e foi maravilhoso.
Chegando finalmente no Inhotim, o que mais me encantava não era apenas a grandiosidade das obras, mas a maneira como elas mexiam com a gente. Talvez fosse também a fase das nossas vidas: estávamos muito sensíveis, com tudo muito a flor da pele, abertas para o mundo. Tudo parecia conversar conosco, como se estivéssemos decifrando um segredo. Ficamos hospedadas na casa de uma família que estava transformando o próprio lar em pousada, aproveitando o retorno do turismo do Inhotim e Brumadinho. Foi lá também que conhecemos uma alemã simpática, que nos impressionou com seu português impecável. Mais tarde descobrimos que ela estava escrevendo um livro sobre a vida das pessoas que permaneceram na região após o rompimento da barragem.
Optamos por fazer o roteiro em dois dias — e acho que foi o ideal. Um único dia é pouco: você acaba correndo de instalação em instalação e não consegue se perder nos jardins, como eles merecem.

Depois dessa viagem, eu fiquei fascinada por alguns artistas que eu não tinha muita familiaridade com o trabalho, como o Tunga, por exemplo. O mesmo aconteceu com Cildo Meireles, Claudia Andujar, Lygia Pape, entre outros. Também me marcou muito a Cosmococa, de Hélio Oiticica e Neville D’Almeida, e a piscina-lista-telefônica (eu que dei esse nome, pois a obra se chama apenas piscina) de Jorge Macchi, onde é possível mergulhar e nadar durante a visita.
Gostaria de destacar uma obra: Folly (2005), de Valeska Soares. Você entra numa espécie de caixa de música que toca The Look of Love, de Burt Bacharach, enquanto projeções mostram pessoas dançando sozinhas, mas em sincronia, como se estivessem em par. Obviamente dançamos também. E foi lindo. Vou deixar o vídeo abaixo.
De volta a Belo Horizonte, de onde pegaríamos o ônibus para retornar ao Rio, queríamos aproveitar cada segundo. Para conseguir ver tudo o que ainda faltava, precisávamos deixar as malas em algum lugar. Foi então que lembrei de um amigo virtual, Gabriel, que morava em BH, mandei mensagem, e ele prontamente foi nos buscar. Nunca havíamos nos visto na vida, mas foi de uma gentileza enorme: guardou nossas malas, nos ofereceu mate, nos deu dicas preciosas e ainda prometeu se juntar a nós para uns drinks mais tarde. Eu e Ariele fizemos uma verdadeira maratona pelo Mercado Novo, Mercado Central e os bares da região, fomos até parar perto do ensaio de um bloco de carnaval. No meio do percurso, acabamos bêbadas e com matching tattoos, e foi aí que eu tatuei a bandeira de Minas Gerais no meu braço, que já me rendeu duas ÓTIMAS histórias (um dia ainda conto por aqui). No regrets. Logo após a tatuagem, e ainda meio bêbadas, fomos para um restaurante incrível, chamado Topo do Mundo, em Nova Lima, assistimos a um pôr do sol maravilhoso, e brindamos com champanhe essa viagem incrível.
Mais tarde, Gabriel nos encontrou no Bar Palito, trazendo um fardo de Xeque Mate para levarmos pro Rio. Nós não parávamos de agradecer — afinal, naquela época a bebida ainda era artigo de luxo no Rio, quase uma importação, mas nem foi o fato do presente, mas sim todo o gesto. Ele só ria e respondia: “Gente, isso é o mínimo.” Pode parecer bobagem, mas ficamos com essa frase por muito tempo na boca, e até hoje ela ainda ressoa na gente. Voltamos para casa conversando sobre isso, e acho interessante como as pessoas ao nosso redor também perceberam. Não sei nem se consigo explicar, mas existe algo na nossa lógica humana que corresponde à maneira como somos forçados a viver: sermos educados em ter cuidado em aceitar a gentileza, o carinho. Por que não de graça? Aprendemos isso quando crianças, depois desaprende. Acho que lembramos. E indico lembrar.







que delícia poder ler este texto e relembrar momentos tão especiais que partilhamos nessa viagem. revivi tudo a partir do seu olhar, com essa escrita brilhante. te amo <3
aaaa amei!